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 Samuel


LENDAS
LENDAS

Lendas 1



Lenda da Cabra e do Cabrito de Ouro-Belmonte Publicado por Alfredo Rodrigues Quarta-feira 06-02-08 Conta-se que em tempos existia um pastor nestas terras que sonhou três vezes seguidas com a seguinte frase: - Vai a Belém que lá encontrarás o teu bem! O pastor cansado de ouvir essa voz que insistentemente se repetia, pôs-se a caminho. Já em Belém, procurou, procurou, mas nada encontrou que lhe respondesse ao tal chamamento. Desanimado e quase a desistir de procurar, encontrou um outro pastor que lhe perguntou a razão de tamanha tristeza. O pastor de Belmonte resolveu contar o sucedido e o outro pastor respondeu-lhe: - Então vós ainda acreditais em sonhos!? Eu também costumo sonhar que numa terra chamada Belmonte, há uma laje onde todos os dias se deita uma cabra amarela, e que debaixo dela existe um tesouro, mas eu não acredito em sonhos! O Pastor ao ouvir isto deu um salto e pôs-se a caminho de casa. Ele sabia bem qual era a laje e a cabra a que o outro pastor se referia. Quando chegou à sua terra não tardou a dirigir-se à laje. Levantou-a e escavou até encontrar o tesouro: uma Cabra e um Cabrito de ouro. Decidiu então dividir o seu tesouro com o Rei mas os conselheiros não o queriam deixar entrar e responderam-lhe: - Deixai-nos o presente que nós mesmo entregaremos ao Rei. O Pastor nada convencido não arredou pé enquanto não o levaram à presença do Rei. Perante a insistência do Pastor o rei acabou por o receber. Quando o pastor entrou na sala onde o Rei estava perguntou: - Onde está sua Majestade, o Rei? O Rei respondeu: - Aqui, o que queres? O pastor explicou: - Senhor, trouxe-vos um presente. Trago aqui uma cabra e um cabrito, qual quereis? O rei respondeu: - Quero o cabrito, sempre será mais tenro que a cabra. O pastor entregou-lhe o cabrito mas o Rei ao ver que era de ouro exclamou: - Agradeço o presente mas tenho pena que o cabrito fique órfão! A isto o pastor retorquiu: - Mas não tenhais senhor pois também vos deixo a mãe do cabrito. Perante tamanho acto de generosidade e lealdade o Rei decidiu recompensar o Pastor. Mandou-o ir à sua cavalariça e escolher o melhor cavalo dizendo-lhe que todas as terras que percorresse em redor de Belmonte, desde o nascer do sol até ao pôr-do-sol passariam a ser suas.



LENDAS 2

Milagre de Santo António - Mação Publicado por Alfredo.Rodrigues Quarta, 06-02-08 Conta-se em Mação que um dia Santo António estava numa localidade do concelho com sua mãe. Pedindo-lhe esta que fosse buscar lenha para a lareira, o santo atravessoua para a outra banda do Tejo, pelo Nabão. à volta, porém, era quase sol-posto, Santo António não viu barca nem barqueiro; o que o deixou preocupado por saber que a mãe o esperava, em cuidados, do outro lado do rio. Aflito, sem saber o que fazer, levantou os olhos ao Céu e pediu ao Meníno Jesus que o auxiliasse naquele transe, e quase imediatamente o Menino apareceu-lhe, dizendo com suavidade: - Tens aí o feixe de lenha para a senhora tua mãe. Deita-o à água; senta-te nele e, então, eu te servirei de barqueiro e conduzirei o feíxe à outra margem do rio. António assim fez e, momentos depois, com o Menino sentado no braço, aportava ao outro lado, são e salvo, onde se despediu de Jesus, que muito sorridente voltou para o Céu.



 Lendas 3 e 4

3 Lenda do Penhor da Justiça Publicado por Alfredo Rodrigues Quarta Feira, 06-02-08. Conta a lenda que D. Garcia, alcaide do Castelo de Penha Garcia, raptou numa noite tempestuosa, D. Branca, figura de rara beleza filha do poderoso Governador de Monsanto. Passados meses de perseguição implacável, D. Garcia acaba por ser apanhado nas encostas da serrania pelos homens ao serviço do Governador. Na época, aventuras deste género eram punidas com a pena capital. No entanto, comovido pelas insistentes lágrimas da filha, foi a D. Garcia poupada a vida e em sua substituição condenado à perda do braço esquerdo, como penhor de justiça. A lendária figura do decepado continua ainda hoje vigiando e olhando do alto das torres, o morro sobranceiro de Monsanto.



 4 Lenda de Santa Catarina Publicado por Alfredo Rodrigues Quarta Feira, 06-02-08 Andava um honrado lavrador a amanhar a terra com uma junta de vacas no sítio da Antinha, conta-se que um dos animais morreu repentinamente. Aflito e desgostoso com a perda de tão útil como necessário animal pôs-se o lavrador a chorar a sua pouca sorte, pois, acabava de perder o "ganha-pão" da sua numerosa e necessitada família e implorava, por isso, o auxílio divino. Apareceu-lhe , então, Santa Catarina que devolveu a vida ao animal e lhe ordenou para ir ao povoado contar o sucedido e dizer do seu desejo que naquele preciso local fosse eriguida uma capela em sua honra, mas com o alpendre voltado a poente. Acudiram os habitantes a satisfazer prontamente o pedido mas virando o alpendre a nascente como era costume na época, pensando que o lavrador vidente se havia equivocado. No dia seguinte, porta e alpendre estavam caídas no chão. Refizeram a obra deixando na mesma o alpendre dirigido a nascente e de novo ele voltou a ruir. Convenceram-se, então, os habitantes de que o lavrador não se havia enganado e executam a obra segundo as indicações recebidas. E ainda hoje podemos apreciar a capela com a porta e o alpendre voltados a poente e, estamos certos, a fé dos ladoeirenses jamais deixará cair por terra este pequeno templo que tanto carinho e estima infunde ao povo do ladoeiro.



 Lendas 5 e 6

5 Lenda da Senhora do Almortão Publicado  por Alfredo Rodrigues Quinta Feira, 07-02-08 Um dia, madrugada ainda, atravessavam o campo pelo sítio água Murta, para o labor de todos os dias, pastores e ganhões. Notaram então que numa mouta de murteiras grandes, havia algo de estranho. Aproximaram-se e viram uma linda e resplandecente imagem da Virgem. Milagre! Milagre! Exclamaram, ao mesmo tempo que caíram de joelhos para rezar. Resolveram então conduzir a Santa Imagem para a igreja de Monsanto. Mas Ela desapareceu pouco depois e procurada no local da aparição lá estava, exactamente no mesmo sítio. E sempre que a procuravam, ela lá estava no lugar da aparição no murtão. E, respeitadores da vontade bem expressa da Senhora os habitantes da vila construiram no local a capelinha.



 6 Lenda da moura Cassima - Castelo Branco Publicado por Alfredo Rodrigues Quinta Feira, 07-02-08 Esta lenda passa-se em 1149, na véspera da reconquista de Loulé aos Mouros pelo Mestre D. Paio Peres Correia. Loulé estava sob domínio dos mouros e seu governador tinha três belas filhas Zara, Lídia e Cassima que era a mais nova. Quando D. Peres se encontrava no exterior da muralhas da cidade pronto para conquistar a cidade, o governador levou as suas filhas até uma fonte onde as encantou, com o objectivo de as preservar de um possível do cativeiro. Contudo o governador nessa noite conseguiu fugir para Tânger deixando as suas filhas para trás. Mas este não conseguia viver feliz ao pensar na pouca sorte das suas pobres filhas. Até que num certo dia apareceu em Tânger um "carregamento" de escravos vindos de Portugal onde se encontrava um homem de Loulé, que o governador não hesitou em comprar. Já no palacete o mouro perguntou ao Carpinteiro se ele não gostaria de voltar para perto da sua família, este sem perder um segundo disse que sim. Logo o mouro pegou num alguidar cheio de água dizendo ao louletano para ele se colocar de costas para o alguidar e saltar para o outro lado, prevenindo-o que se caísse dentro da água iria-se afogar no oceano, dando-lhe 3 pães (pães esses que continham a chave para o desencantamento das mouras) diz-lhe o que fazer com eles a fim de libertar as suas lindas filhas do encantamento a que foram sujeitas. O carpinteiro salta e como num passe de mágica chega a sua casa abraçando a sua mulher, logo de seguida ele vai até um canto da casa e esconde os 3 pães dentro de um baú. Passado algum tempo mulher descobre os pães e fica desconfiada por ele estarem escondidos, então ela pega numa faca afim de ver se há alguma coisa dentro deles, espetando a faca num de imediato ela ouve um grito e as suas mãos enchem-se de sangue vindo do interior do pão. Na véspera de S. João (dia para o encantamento ser quebrado) o carpinteiro estava indiferente à animação pois só pensava em cumprir a promessa por ele feita ao ex-governador, logo que pode pegou nos pães e foi até fonte. Chegando a altura certa este atira o 1º pão para a fonte e grita por Zara, a mais velha das irmãs e uma figura feminina sobe no espaço e desaparece diante dos seus olhos. Logo de seguida atira o 2º e grita por Lídia volta a aparece-lhe outra bela rapariga que desaparece no ar diante dele. Por fim atira o 3º e grita pela filha mais nova do ex-governador, nada acontece, ele volta a grita por Cassima e uma jovem moura aparece-lhe agarrada ao gargalo da fonte, que lhe diz que não pode sair dali devido a curiosidade da sua esposa. Ele pede-lhe desculpa em nome da sua pobre mulher, esta diz que a perdôa e que tem uma coisa para a mulher deste pois jamais poderá sair daquela fonte e atira um cinto bordado a ouro para as mãos do carpinteiro, enquanto desaparece no interior da fonte... No caminho o Carpinteiro para ver melhor a beleza do cinto coloca-o em redor de um troco de um grande carvalho, mas de imediato a arvore cai por terra, cortada cerce pelo cinto fantástico. Benzendo-se e rezando o carpinteiro compreende tudo: Cassima dera-lhe o cinto apenas para se vingar! sua mulher ficaria cortada ao meio, como o carvalho gigantesco!... Este correu para casa abraçou a mulher e nessa noite não consegui pregar olho com medo que a moura ali aparecesse, mas isso nunca aconteceu. Tal como a moura Cassima lhe dissera não mais poderia sair da fonte. Apenas por vezes, segundo se diz - principalmente nas vésperas de S. João - ela consegue agarrar-se ao gargalo da fonte, e mostrar sua beleza, e chorar a sua dor aos que se aventuram por até lá....



 Lendas 7 e 8

7 Lenda da Cova da Moura - Idanha-a-Nova Publicado por Alfredo Rodrigues Sexta, 08 Fevreiro 2008 Na margem direita do ribeiro das Fontainhas, que corre a Poente da freguesia, existe um grande penedo. Nele, devido à acção da erosão, abre-se uma pequena gruta. O povo de Segura chama-lhe Cova da Moura. Quem depois do pôr-do-sol se aproximar do penedo, ouvirá, como vinda de muito longe, do interior da rocha ou das profundezas da terra, uma guisalheira infernal, produzida pelo som de muitas e diferentes campainhas. é o sinal do aparecimento da Moura. E diz a lenda, que se o curioso, que a visitar persistir em descobrir o segredo da rocha, mesmo depois de ouvir a guisalheira, pagará com a vida o atrevimento, porque a Moura o esmagará com uma enorme cacheira de ferro. O porquê deste proceder da estranha criatura, que ao contrário de outras suas irmãs espalhadas por todo o Portugal, prefere o isolamento à quebra do feitiço, ignora-o o povo de Segura que embora receie a Moura do penedo, continua a afirmar que nenhuma há mais bela ou mais linda.



 8 Lenda da Serra da Estrela ou do Pastor da Estrela Publicado por Alfredo Rodrigues Sexta, 08 Fevereiro 2008 Esta é a história de um pastor pobre que vivia numa aldeia triste e tinha por única companhia um cão. Este pastor fitava o horizonte e o seu coração enchia-se de esperança de um dia viajar para além das montanhas que envolviam a sua aldeia. Uma noite de luar em que o pastor olhava o céu estrelado, desceu até ele uma estrela pequenina com um rosto de criança que lhe falou do seu desejo. Estava ali por vontade de Deus, para guiar o pastor para onde este desejasse ir. A partir de então, a estrela nunca mais abandonou o pastor, sorrindo-lhe do céu noite após noite. Até que veio o dia em que o pastor tomou a decisão de partir e chamou a estrela. Os velhos da aldeia abanaram as suas sábias cabeças a tamanha loucura. O pastor partiu e caminhou durante intermináveis anos. O seu cão não aguentou a dura jornada e ficou pelo caminho, marcado por um sinal de pedra. O pastor chorou e continuou em busca do seu destino, envelhecendo junto com a estrela até que um dia chegaram ao seu destino, à serra mais alta, a que ficava mais perto do céu e ali ficaram juntos. O rei da região mandou-lhe emissários com promessas de poder e fortuna em troca da estrela. O pastor respondeu-lhe que a estrela não era dele mas do céu e que nunca a abandonaria. A lenda diz que ainda hoje da serra da Estrela é possível ver uma estrela que brilha mais do que as outras, de saudade e de amor por um pastor.



Lendas 9 e 10

9 Lenda da Bezerra de Monsanto Publicado por Alfredo Rodriguesl Sexta, 08 Fevereiro 2008 Em tempos muito antigos estava Monsanto cercada por tropas romanas já há sete duros e terríveis anos. Os seus habitantes tinham sofrido muito e visto morrer muitos dos seus mas não se rendiam. Ao velho chefe da aldeia apenas lhe restava uma única filha, cujos irmãos mais velhos tinham sido todos mortos pelo inimigo. O velho chefe queria que a sua filha fugisse e se pusesse a salvo com o seu rebanho mas esta recusava heroicamente, dizendo-lhe que tinha jurado resistir aos invasores até à morte. Foi então que o chefe lhe disse que como estavam esgotados todos os víveres, ela deveria sacrificar o seu último rebanho e reparti-lo com os habitantes. Talvez assim conseguissem aguentar mais uma semana... Essa semana passou e os soldados romanos aperceberam-se da trágica situação dos sitiados e exigiram a sua rendição mais uma vez. O velho chefe sentia-se perdido mas a sua filha disse-lhe que não esmorecesse porque tinha guardado uma bezerra gorda e tinha um estratagema que a todos salvaria. O velho chefe chegou ao cimo das muralhas e, com uma segurança que a todos surpreendeu, gritou aos romanos que não se renderiam porque tinham ainda muita comida e como prova disso atirou-lhes a bezerra que tinha sobrado do jantar do dia anterior. E que se quisessem mais era só dizer. O cônsul romano cansado de tantos anos de cerco resolveu retirar para Roma, onde tinham pedido a sua presença. A alegria dos habitantes foi enorme e deu lugar a uma grande festa que se tornou uma tradição que ainda hoje se comemora em Monsanto. Todos os anos, os monsantinos festejam ao som do adufe e lançam das muralhas do castelo cântaros enfeitados que simbolizam a bezerra do cerco de Monsanto.



 10 Lenda do Cativo de Belmonte Publicado por Alfredo Rodrigues Sexta, 08 Fevereiro 2008 Esta é a história de Manuel, um corajoso soldado nascido em Belmonte que combateu com ardor os muçulmanos até que a sorte o fez cativo de piratas mouros. Levado para Argel, aí ficou longos anos como escravo, encarando o seu destino como uma penitência e iludindo as saudades que sentia da terra e da família com as tarefas mais pesadas. Após muitos anos, um mouro perguntou-lhe qual o significado da palavra que Manuel repetia vezes sem conta: esperança. Manuel disse-lhe que significava o desejo de voltar à sua terra e a sua fé na Virgem da Esperança. O mouro disse-lhe que tal fé era impossível e a partir de então apertou a vigilância e tornou-lhe a vida ainda mais dura. Conta a lenda que a Virgem se apiedou de Manuel e na véspera do dia de Páscoa lhe apareceu, anunciando-lhe a libertação. Manuel iria cruzar os mares dentro da arca onde dormia, o que efectivamente aconteceu e os mouros viram a arca elevar-se no ar e desaparecer para o lado do mar. No sábado de Aleluia, os habitantes de Belmonte que se dirigiam à missa, viram espantados uma arca aterrar junto à capela e dentro da arca o Manuel que todos julgavam morto. A alegria foi indescritível e o povo decidiu erguer nesse sítio uma outra capela dedicada a Nossa Senhora da Esperança.



 Lendas 11

11 A Lenda da Bela Suldória Publicado por Alfredo Rodrigues Sábado, 9 Fevreiro 2008 Madrugada fria. Madrugada triste. Madrugada com cheiro de tormenta. Inverno na natureza e nas almas. Vento cortante como o fio de uma espada. Mas Viriato – o pastor dos Hermínios – não sentia esse frio cortante. Nem essa madrugada triste. Nem o cheiro da tormenta. Direito, como bela estatua erguia num campo coberto de cadáveres dos seus compatriotas, dir-se-ia o génio da vingança. à sua volta, os companheiros vivos que conseguira agrupar esperavam, submissos, atentos, as suas ordens. E forte, clara e precisa soou a voz do herói: - Companheiros! Olhem em redor! Quem estão vendo? Os corpos mutilados dos nossos irmãos pelo sangue, indignamente atraiçoados pela pérfida de um romano: Galba! Todos nos temos aqui um amigo ou um parente. Todos estamos a contemplar as bárbaras acções desses altivos vencedores do mundo: crianças, mulheres e donzelas degoladas. Teremos nós coração para sofrer tanto? Não! Vinguemo-los, pois! Vinguemos tantas nações devastadas por estes verdugos! Tudo é por nós! Juremos, neste mesmo local, um ódio eterno ao inimigo. Pelo sangue derramado, por todas as virgens, eu juro, por mim, não despir estas armas enquanto não vingar as suas mortes! Parecia ecoar a voz do pastor no silêncio da montanha onde a morte imperava. E quantos o escutavam, repetiram em coro o mesmo juramento. E foi então que, descendo a montanha por onde esvoaçavam aves de rapina, esses homens intrépidos, chefiados por Viriato, se espalharam pela Lusitânia para incitarem o povo a pegar em armas contra os romanos. Em baixo, na planície, um sacerdote esperava-os. Vendo chegar o grupo, o sacerdote, com ar resoluto e olhos brilhantes, dirigiu-se aquele que parecia comanda-los. - Meu filho! Em nome do deus Endovélico serás a partir deste momento chefe supremo do exército dos pastores da serra. Assim, concedo-te o grande colar de oiro do comando! Como resposta, houve um clamor de entusiasmo, gritando por Viriato. E lá em cima, na montanha, as aves de rapina faziam-se ouvir desde logo, no seu afã de recolherem as presas já quase apodrecidas… Reunindo os povos lusitanos sob o seu comando, Viriato encetou a sua carreira de grande chefe, com verdadeiras proezas que assustaram Roma, obrigando os invasores a bater retirada. E como os triunfos chamam sempre adeptos, em breve o exército de Viriato aumentou, chegando a ser criado o corpo dos suldórios, formado apenas por voluntários. Ora, entre esses voluntários surgiu certo dia um jovem soldado, de cabelos loiros e olhos azuis, figura frágil, quase feminina, que viera de muito longe com o desejo de ser, também, um suldório. Ao vê-lo, Viriato chamo-o à sua tenda. O jovem acorreu imediatamente. O chefe recebeu-o com um sorriso quase trocista. - Aceitaram-te como voluntário e ouviste bem as nossas regras. Não desististe! Mas repara que ainda és muito novo para morrer e, na verdade, com esse ar delicado… não acredito muito em ti como guerreiro. No rosto do adolescente surgiu uma expressão de receio e ansiedade. - Não te preocupes com meu aspecto, Viriato! Juro-te que lutarei como os melhores. O chefe lusitano olhou o rapaz com estupefacção. - Que voz a tua! Condiz com teu corpo, que mais parece de donzela… tenho receio que se riam de ti. Embora pouco cheia, a voz do mancebo ouviu-se firmemente: - Descansa que ninguém se rira. E se alguém se atrever, a minha espada obriga-lo-à a engolir o riso! Compreendes? Viriato sorriu de novo. - Compreendo apenas que esta não é vida para ti. E o chefe dos lusitanos, tornando-se quase paternal, conclui: - Segue o meu concelho: regressa à tua terra e entrega-te ao amanho do campo. O rapaz abanou a cabeça com energia. - Não! Eu vivo para estar junto de ti, Viriato! Não me afastarei, portanto. Quer queiras, quer não queiras, hei-de combater a teu lado! Viriato encolheu os ombros. Sempre gostara das pessoas que sabiam sustentar a sua vontade. - Bem, faz então o que quiseres. Mas nunca me atribuas a culpa do que te venha a suceder no futuro. O jovem sorriu. Que sorriso estranho, de invejável ventura! Depois baixou o olhar, curvando-se ligeiramente ante o seu chefe, e saiu da tenda de Viriato. A tarde morria ao longe, num vagar que definiu força. A resistência entre a luz e as trevas, entre a vontade e o destino! A luta continuou. Luta indómita, sem tréguas. E as vitórias seguiram-se: Toledo, évora, Viseu! Em todo o lado o jovem soldado de modos e falas estranhas se mostrou sempre como valente guerreiro. Viriato não pode esconder a sua admiração. E certa tarde em que ambos se encontraram no campo, o chefe lusitano achou por bem elogia-lo. - és na realidade um soldado extraordinário! Hoje, bem vi que me salvas-te a vida. Doravante quero-te sempre a meu lado. O jovem corou de alegria e emoção. Tremia ligeiramente e sua voz, ao confirmar: - Sim! Na vida e na morte estarei sempre a teu lado! Viriato sorriu. - Não falemos em morte quando as vitorias se sucedem! és de facto um guerreiro, dos bravos, dos valentes. Contudo… deixa-me que te diga… tens uma alma quase feminina! O soldado mordeu os lábios. Surpresa? Melindre? Viriato notou o embaraço do jovem e tentou compensar a sua frase infeliz. - Mas não te preocupes! Tivesse eu cem como tu e o mundo poderia pertencer-me! O soldado abanou a cabeça com ar quase lânguido, numa doce censura. - Para quê tanto, senhor? Basta-te a Lusitânia! O chefe olhou-o fixamente. O soldado desviou o olhar, furtando-se a um profundo exame do seu interlocutor. Mas já a voz de Viriato soava alegra, como poucas vezes acontecia. - Tens razão, companheiro. Basta-me a Lusitânia para me dar que fazer! Voltou a fixar o soldado, que mais uma vez desviou a sua atenção para um ponto indeterminado. Viriato continuou a falar. Agora o seu tom de voz era diferente. Havia nele algo de indefinível e na expressão do seu rosto surgiu um estranho sorriso. - Bem… não pensemos agora em lutas e mortes. A tarde está bonita… apetece-me ir visitar a minha linda Vanídia – eleita do meu coração – a qual há longo tempo espera por mim! Fez-se um pesado silêncio. Viriato continuava olhando fixamente o jovem soldado, como se quisesse ler dentro dos seus pensamentos. Mas foi ele próprio quem voltou a quebrar o silêncio que os envolvia. - Queres vir comigo? Houve um movimento de surpresa da parte do jovem soldado. Como por encanto fugiu-lhe toda a anterior timidez e a sua voz, embora frágil, soou firme e quase áspera: - Não, meu senhor. Para negócios de amor, certamente não precisareis de mim. O sorriso de Viriato acentuou-se. Olhou o jovem com certo ar trocista e disse apenas: - Tens razão. Em negócios de amor… não precisarei de ti! E dando costas ao jovem, que cerrou os dentes num estranho assomo de amargura, Viriato seguiu, altivo, o seu caminho. Iria procurar Vanídia, o seu grande e único amor! Vanídia, que há anos esperava ouvir dele uma promessa de imediato casamento. Mas a hora chegara. Era tempo de pensar no amor! Se a vida era um jogo de incalculável desfecho, por que desprezar os trunfos que caíam nas suas mãos? O chefe lusitano continuou descendo a montanha sem nunca olhar para trás. Um único pensamento o conquistara agora: falar a Vanídia, filha do rico Astolpas, e pedir-lhe perdão por tanta demora. Apressou o andar. Queria chegar ao seu destino antes de o sol se esconder por detrás das montanhas. E quando a luz solar se despediu dessa face da terra, foi beijar, num estertor, o rosto pálido e olhos tristes do soldado que ficara lá em cima como uma estátua, fintando o desenvolto chefe a descer a montanha. Era quase noite. No exterior, aquela luz indecisa que antecede a treva. Penumbra pesada como manto enorme. Mas na alma de Viriato havia luz, muita luz, como sol em pleno meio-dia! Ao vê-lo, Vanídia correu para ele, olhos brilhantes de felicidade e de lágrimas. - Viriato! Demoraste tanto! Cheguei a recear por ti! Ele concordou, numa voz quase doce: - Tens razão, minha bela, minha querida Vanídia! Mas valeu a pena a tua espera. Como vês, aqui estou e com boas noticias! Ela sorriu, feliz. Imensamente feliz! - Tenho tido conhecimento das tuas vitórias! O chefe lusitano atraiu aos seus braços a sua bem-amada. - Não se trata agora de guerra. Trata-se do nosso casamento. Ela teve quase um grito: - Será possível, Viriato? Será possível?... Murchou de súbito a vivacidade da sua voz: - Tens-me dito tantas vezes a mesma coisa!... Viriato obrigou-a a encara-lo bem nos olhos. - Querida! Se eu derrotar os exércitos Caio Uminiano e de Caio Nigídio, juro-te que casarei imediatamente contigo! Ela encostou a cabeça ao peito forte do herói e exclamou com emoção: - Vencerás, Viriato! Na verdade, Viriato venceu. E cumprindo a sua promessa casou com Vanídia, louca de felicidade. A cerimónia realizou-se em Vaaca e todos os Lusitanos ali acorreram para felicitarem o seu chefe, transformando a casa de Viriato numa autêntica feira franca. Um ano se seguiu. Um ano de paz com Roma. Um ano de amor… todavia, Viriato não esquecia os seus companheiros, embora o seu exercito já estivesse um tanto disperso. Só os suldórios continuavam unidos em torno do seu chefe, como um corpo só. E entre eles avultava o jovem soldado, já famoso pelas suas façanhas em prol de Viriato e da causa da Lusitânia, Certa vez, Viriato levou Vanídia até à tenda do seu melhor guerreiro. Houve alvoroço com a chegada súbita do chefe. Depois de dirigir uma palavra grata a cada um dos seus suldórios, chamou de parte o jovem soldado, que mostrava uma palidez como nem nas horas de combate o tomava. Por fim indicando-o à sua linda esposa disse: - Vanídia, eis quem mais admiro depois de ti. Comecei por não acreditar nas suas aptidões para soldado, devido ao seu aspecto frágil. Contudo, hoje considero-o o melhor dos meus guerreiros! Vanídia sorriu ao jovem: - Daqui em diante, também eu te considerarei como meu amigo! Sério e sempre pálido, o soldado respondeu: - Vanídia… a minha dedicação por teu esposo é tão grande, que enche todo o meu coração e nem sequer para ti encontrarei lugar vago. Viriato riu. A sua voz soou precipitada: - Ouviste, Vanídia? Alem de valente, é também trovador! Fez-se um silêncio impressionante. Vanídia e o jovem soldado fintaram-se por um momento. Depois, a esposa de Viriato sorriu ao marido e pediu-lhe que a levasse dali. E uma vez mais, no cimo dos mons Herminius, um estranho soldado, de olhar ao mesmo tempo doce e triste, ficava como estatua, vendo o seu chefe descer a montanha … A vida é roda que gira, às vezes quase em vertigem. O tempo passou – e então, não sendo possível aos romanos vencerem pela força da rebelde e altiva Lusitânia, valeram-se da astúcia – que é por vezes caminho da traição. é de todos os tempos a existência de almas fracas, capazes de tudo por uma ambição fugaz. Também na Lusitânia houve traidores. Traidores que levaram Viriato à morte a troco de dinheiro. De noite, aproveitando a hora do descanso, entraram na tenda de Viriato, apunhalando-no e levaram-lhe a cabeça para a apresentarem ao cônsul romano! Entretanto, no arraial lusitano, alguém dera subitamente o alarme. Alguém que chorava convulsivamente abraçado ao corpo decapitado e escorrendo sangue de Viriato – aquele que fora glorioso chefe dos exércitos lusitanos. E esse alguém foi o jovem soldado desconhecido. A dor encheu o acampamento. A dor e a indignação. Uma algazarra enorme surgiu, cortando a noite. Foram-lhe feitos solenes funerais. A meio do acampamento levantaram uma enorme pira, onde seria queimado o corpo de Viriato, para depois guardarem suas cinzas. Envolto no seu manto de comando e levando o grande colar de oiro – a víria – o que fora valoroso chefe lusitano em breve começou a arder. A cerimónia iniciou-se com pompa, seguida dos rituais sacrifícios. Os suldórios desafiavam-se em combate, como holocausto àquele que haviam jurado defender até à morte. Mas o exército reclamava novo chefe. De súbito, alguém apontou o vulto de um jovem pálido, rosto macerado pelas lágrimas, que parecia desafiar o próprio fogo onde o corpo de Viriato ardia. E diziam: - Só ele! Só o companheiro dilecto de Viriato pode substitui-lo! Um clamor saiu de todas as bocas, aprovando a escolha. Porem, o jovem soldado, sem uma palavra, cabelos soltos ao vento, aproximou-se mais da pira onde o fogo ardia. Depois, num gesto dramático, tirou a courça e em seguida a túnica interior que lhe cobria o corpo, mostrando aos olhos espantados do exército em peso um busto formosíssimo de mulher. Ouviu-se um Oh! de pasmo. Mas a que fora durante tanto tempo o mais valente suldório gritou então: - Sim, sou mulher! Por amor a Viriato suportei toda esta aventura. Disfarçada de homem, tornei-me seu suldório para estar sempre a seu lado! Ele amava outra mulher. Não podia aspirar ao seu coração. Agora que o mataram, a vida já não tem valor para mim. Morro com Viriato, porque vivi para ele! E num gesto súbito, a mulher-soldado lançou o seu esbelto corpo às chamas ardente… Os homens ficaram perplexos! A tarde, porem, morria sem queixumes, concedendo ao fogo o direito de a substituir na sua luz. Viriato deixara de existir. E com ele ardia agora o corpo daquela que jurara estar a seu lado para sempre, na vida ou na morte!